sexta-feira, 1 de outubro de 2010

INDENIZAÇÃO MILITAR- Ausência de exames capazes de diagnosticar problemas cardíacos é, sem dúvida, omissão do dever de prestar um serviço eficiente.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2006.71.02.001995-1/RS
RELATOR : Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
APELANTE : ANILCE TERESA ZANON
ADVOGADO : Antonio Neuri Garcia e outro
APELANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União
APELADO : (Os mesmos)
REMETENTE : JUÍZO FEDERAL DA 03A VF E JEF CRIMINAL DE SANTA MARIA/RS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação para condenar a União Federal a pagar à autora indenização por dano moral no montante de 120 salários mínimos, equivalente, na data da sentença (27/3/2007) a R$ 42.000,00.
Em razão da sucumbência recíproca, foi determinada a compensação dos honorários advocatícios.
O relatório da sentença bem delimita os contornos da controvérsia:
"Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por ANILCE TERESA ZANON em face da UNIÃO FEDERAL, através da qual a autora busca a concessão de pensão por morte do filho, falecido durante a prestação do serviço militar obrigatório, além de indenização por danos morais.
Na petição inicial, aduziu que seu filho ingressou no Exército, sendo considerado "apto" ao serviço militar. Contudo, em 17/05/2003, nas dependências da unidade militar, após prática esportiva, veio a falecer, em decorrência de problemas cardíacos não detectados por ocasião da seleção para o serviço militar. Entende que, em razão da indevida seleção de seu filho para o serviço militar obrigatório, por avaliação médica insuficiente, faz jus à pensão vitalícia, a ser paga desde a data do óbito, e à indenização por danos morais sofridos.
Em antecipação da tutela, pediu a concessão de pensão por morte e solicitou o benefício da assistência judiciária gratuita (AJG).
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido. A AJG foi deferida (fls. 35/36).
Na contestação, a União Federal, preliminarmente, sustenta a necessidade de formação de litisconsórcio ativo. No mérito, a ré alega a inexistência do direito da autora à pensão militar e o descabimento de indenização por danos morais."

Em sua apelação, a autora postula a elevação do valor da indenização. Sustenta ser incabível a compensação dos honorários advocatícios.

A União, por sua vez, argumenta não ser cabível a condenação ao pagamento de indenização, pois a causa da morte foi natural, não constituindo acidente de serviço. Afirma que o "comportamento da vítima teve o efeito de suprimir a responsabilidade do Estado".
Com contrarrazões.

É o relatório.



VOTO


Direito à indenização. O conflito gira em torno da responsabilização da União pelo fato de ter considerado o filho da autora "apto" para o serviço militar, quando, na realidade, ele possuía graves complicações em sua saúde, vindo a falecer.

Entendeu a julgadora de origem que houve evidente omissão estatal. Destacou que, a "partir do momento em que o Estado retira o indivíduo da vida civil e do convívio familiar, a fim que preste serviço militar obrigatório, adquire o dever de apurar se o mesmo tem, efetivamente, condições de realizar as atividades inerentes à carreira militar (dever de agir)".

Destacou, ainda:


"E, na situação posta nos autos, não obstante ter sido considerado "apto" ao serviço militar, verifica-se que o de cujus realmente não possuía condições físicas suficientes para tanto, à medida que faleceu após prática esportiva de grau muito leve, se comparada àquelas que enfrentaria no decorrer de sua vida profissional.
Assim agindo, o Estado procedeu com imprudência, prestando o serviço que lhe é imputado (qual seja, verificar a real aptidão dos recrutas para a prática de atividades inerentes ao serviço militar obrigatório) sem a necessária qualificação, o que culminou no falecimento do filho da autora, caracterizando, a toda evidência, omissão, que tem como conseqüência a responsabilização."


A condenação deve ser mantida. Se está diante de dano causado por omissão, ou seja, houve falta do agir por parte de quem tinha o dever legal de agir e não agiu.
O jovem que ingressa no Exército está sob a guarda do Estado. A ausência de exames capazes de diagnosticar problemas cardíacos é, sem dúvida, omissão do dever de prestar um serviço eficiente, o que leva à responsabilidade, com o dever de indenizar.
Os problemas cardíacos que acometiam o filho da autora eram os seguinte: CIV - comunicação interventricular desde a infância, dispnéia aos esforços físicos, sopro sistólico e suspeita de insuficiência cardíaca. Nada disso foi constatado na seleção para ingresso no Exército.
A apelante embasa sua pretensão recursal no fato de que o falecido teria contribuído para o evento de forma voluntária. Segundo afirma, "a morte não constitui acidente em serviço, pois naquele dia, o ex-militar estava de folga, bem como sequer estava autorizado a realizar qualquer atividade dentro do Quartel". Refere que o falecido "apenas morava dentro do Quartel já que sua família morava distinta de Santa Maria".
A questão deve ser examinada sob outro enfoque. O filho da autora não deveria estar prestando serviço militar, pois não tinha condições físicas. A prática de exercícios físicos no Quartel é uma constante, mesmo nos momentos de folga. A sua admissão para prestar serviço militar, por si só, caracteriza a imprudência. Nesse sentido, a julgadora de origem bem acentuou que, "reconhecido o dever do Estado em agir (apurar as reais condições de seus recrutas à prestação de serviço militar obrigatório), e verificada a superveniência do óbito do ex-soldado, entendo que a ré deve ser responsabilizada pela imprudência cometida".

Em suma, a responsabilização da União tem respaldo nos seguintes elementos: a) o filho da autora faleceu em serviço, considerando que estava regularmente incorporado ao Exército Brasileiro, tendo sido considerado apto em Inspeção de Saúde para tal; b) o óbito ocorreu em lugar sujeito à Administração Militar; c) o caráter obrigatório do serviço militar; d) a atividade física é inerente a atividade militar e a prestação do serviço militar obrigatório; e) não havia nenhum registro médico, expressamente diagnosticando uma incapacidade para prática de atividades físicas, mas sim, tão somente, uma recomendação para a realização do TAF em 2ª chamada.
Quantificação.

Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem.
Tendo em conta os fatores acima mencionados, a indenização deve ser fixada em 240 salários mínimos.

Honorários advocatícios.

Elevado o valor da indenização, a União deve ser condenada ao pagamento dos honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da condenação.
Ante o exposto, voto dar provimento à apelação da autora e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial.

É o voto.

Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
Relator

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