sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O ´jus possessionis´ do homem sobre a mulher

Anos 80, em cidade da fronteira gaúcha, ingressam no foro, simultaneamente, uma ação cível (de separação litigiosa) e uma penal envolvendo o mesmo fato: o reiterado estupro cometido pelo marido, contra a própria esposa, constrangendo-o à quase diária prestação sexual. A iniciativa profissional das duas ações é de uma brilhante advogada de Porto Alegre de notória atuação em Direito de Família.

Citado, o homem contrata um dos brilhantes criminalistas da região. Este baixa da prateleira alguns livros de duas ou três décadas anteriores e, com base na doutrina - parte conhecida e parte desconhecida - invoca argumentos machistas para as duas defesas.

"O marido não pode ser considerado réu de estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à penetração sexual. A solução justa é no sentido negativo, porque o estupro pressupõe a cópula ilícita fora do casamento" - é a tese central.

Rebuscando expressões latinas e obras de Direito Comparado, o advogado de defesa sustenta também que "a cópula intra matrimonium é recíproco dever dos cônjuges". E desfia em latim: "matrimonni finis primarius est procreatio atque educatio prolis; secundarium mutuum adjutorium est remedium concupiscentiae”.

Em síntese, e em bom português: "o marido violentador, salvo excesso inescusável, ficará isento até mesmo da pena correspondente à violência física em si mesma, pois é lícita a violência necessária para o exercício regular do direito ao sexo matrimonial".

No fecho das duas quase idênticas petições, uma provocação ferina contra a mulheres: "a constância das mútuas relações sexuais acarreta um ´jus possessionis´ do homem sobre a mulher, conforme a melhor doutrina de Manfredini".

Nas duas sentenças, os dois juízes coincidiram num ponto: "os argumentos defensivos são tidos como ultrapassados e fruto de uma época remota, na qual a dignidade feminina era relegada a um segundo plano".

Antes que os autos das duas ações subissem ao TJRS, as partes fizeram acordo, dispondo inclusive sobre a partilha de bens. Por isso, na cidade, o caso tenderia ao esquecimento.

Mas conta-se que, algumas semanas depois da baixa de ambas as ações, os causídicos tiveram um desentendimento forte no Foro, em função de uma outra ação de Direito de Família.

Era um dia de chuva e a advogada partiu para cima do colega, brandindo no ar uma grande e chamativa sombrinha rosa choque.

- Não me venha com histórias machistas fundamentadas em doutrina inexistente!

E antes que o advogado pudesse ponderar algo, ela ainda vociferou em decibeis que puderam ser bem escutados por vários operadores do Direito:

- Só depois de baixadas as duas ações eu descobri que esse atochador costuma inventar doutrina inexistente de Manfredini!...

FONTE: Espaço Vital

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